O canto tranquilo dos pássaros e o ciciar das cigarras faziam coro para o silêncio confortável entre Carlos e Vitor, pai e filho, que tinham o costume de pescar duas vezes no ano durante as férias escolares.
A quietude da relação dos dois durante esses encontros mostrava um nível de intimidade e respeito que dispensava qualquer papo furado para amenizar um clima desconfortável, a presença um do outro bastava para saber que estava tudo bem.
Mas Vitor queria cagar.
Muitas vezes os dois voltavam para casa sem peixes, apenas cansados por terem acordado tão cedo, mas de forma nenhuma sentiam que era uma viagem perdida. O simples fato de terem dividido um dia inteiro juntos era o suficiente para se sentirem completos.
Mas Vitor ainda queria muito cagar, e essa droga de tempo não passava logo.
A linha da vara de pescar balançava com… Quem se importa com vara de pescar?! Vitor precisava ir ao banheiro o mais rápido possível, mas ainda eram onze da manhã, e geralmente eles só voltavam para casa às duas da tarde. Será que ele conseguiria segurar por tanto tempo? Vitor precisava se concentrar em outra coisa. Tudo bem, pode falar da vara de pescar.
A linha da vara de pescar balançava com os peixes beliscando a isca no anzol, e era como se… Ok, não estava ajudando, Vitor precisava cagar urgentemente.
- Pai, eu…
- Shhh…
Merda! Vitor nunca gostou de pescar, os pássaros não calavam o bico, e era tão quente que o canto das cigarras deveria ser interpretado como um pedido de ajuda. Eram só duas vezes no ano que pai e filho saiam juntos, mas era o suficiente para Vitor odiar tudo que envolvia isso.
- É sério, pai. Eu…
- Shhhh!!!
Vitor sabia que Carlos só o chamava para pescar para servir de álibi para a mãe. Era claro que de todos os lugares do mundo, um pesqueiro no interior, no meio do mato e cheio de mosquitos era o último lugar que Carlos queria estar.
- Eu não tô brincando, pai. Eu preciso…
- Fica quieto, moleque!
O silêncio entre os dois era bom, mas não por conta da intimidade, era apenas uma garantia de que não teriam uma conversa profunda o suficiente para demonstrar emoções. Mas Vitor não aguentava mais.
- Pai, deixa eu falar…
- Não!
- Eu preciso…
- Vai espantar os peixes!
- Esquece os peixes! Me ouve!
- Não!
Carlos não queria arriscar, qualquer conversa com o filho poderia resultar em um pedido de desculpas por ter perdido momentos importantes da vida de Vitor. Já pensou? Os dois chorando e se abraçando? Fora de cogitação.
- Por favor!
- Eu não quero falar dos meus sentimentos!
- Mas eu…
- Já falei que não!
- Pai!
De repente aconteceu! O clima tenso entre pai e filho foi quebrado com o robusto, alto e estrondoso peido de Vitor. Tudo em volta ficou mergulhado no melhor tipo de silêncio, o de constrangimento. Nada naquele lugar ousava emitir som, nem os pássaros, as cigarras e até os peixes parece que cansaram da isca.
- O que foi isso? - perguntou Carlos.
Vitor olhou para frente, se arrumou no banquinho e permaneceu em silêncio.
- Filho? Vitor? Vitor! Tudo bem…?
- Shhh!
Carlos arrumou seu boné, voltou a encarar a água do rio, e a tranquilidade voltou a reinar entre pai e filho. O silêncio era ótimo, mas fedia demais.