São Paulo, em um futuro não muito distante, mortos vivos vagam pelas ruas e devoraram todos os que não conseguiram correr rápido o suficiente para escapar da morte. Os poucos sobreviventes que restaram assumiram a ideia de que o resto do mundo também teria sido afetado pelo vírus zumbi, e eles achavam isso não só por não ter contato com outros países, mas por saber que paulista tenta copiar qualquer coisa que gringo faz.
Em algum lugar nessa cidade devastada se ouviu tiros, gritos e passos apressados. Eram Vitor e Bruna, que corriam de uma horda de mortos-vivos para salvarem suas vidas e os poucos mantimentos que conseguiram para o grupo enquanto patrulhavam a área.
Vitor quase foi atingido por um tiro da arma de Bruna, que por sua vez quase foi mordida por um zumbi, mas com muito esforço, a dupla conseguiu driblar as criaturas e chegaram ao grupo que vivia em um bunker em uma estação de metrô.
- Chegamos! - disse Vitor ofegante
- O caminho estava cheio de zumbis. Não conseguimos muito, mas tem o suficiente para alguns dias - disse Bruna, enquanto abria a mochila em cima de uma bancada.
Henrique, um dos integrantes do grupo de sobreviventes que estava aguardando ansioso a volta dos amigos, se aproxima com lágrimas nos olhos enquanto tossia.
- Eu não sei como agradecer vocês, têm sido tempos tão difíceis… Deus abençoe vocês, meus amigos. Muito obrigado por tudo.
Era nítido, nos sorrisos tímidos e na troca de olhares entre os três amigos existia a mais pura e sincera gratidão, o reconhecimento do esforço conjunto para que todos ali conseguissem sobreviver. O clima de companheirismo no lugar era lindo.
- Cadê meu suco?
E com essa pergunta o clima foi quebrado por Robson, outro integrante do grupo de sobreviventes que revirava a mochila aberta.
- O quê? - disse Vitor.
- Meu suco natural, ué. De garrafinha… - disse Robson mexendo sem parar na mochila.
- Não deu pra trazer, a gente deu prioridade para coisas mais importantes.
- E minha dieta não é importante?
Robson, antes e depois da sociedade ruir, era aquele tipo de pessoa que se preocupava demais com a saúde para ser legal. Seu excesso de foco em ter um corpo malhado e uma alimentação balanceada chateava a todos do grupo, a ponto de considerarem aceitar ser mordidos por zumbis de vez em quando, só para não ter que ouvir Robson citar os benefícios do Crossfit mais uma vez.
- Robson, não enche o saco! Ao invés do suco, toma uma água - disse Bruna, segurando uma garrafinha - Só Deus sabe o quanto foi difícil conseguir isso.
- Água! Que maravilha! - disse Henrique, pegando a garrafa das mãos de Bruna e se servindo de uma golada.
- Maravilha pra quem? Como que eu vou ter meu desjejum sem meu suco? - disse Robson.
Bruna mal podia acreditar no que estava ouvindo, o egoísmo de Robson só não era maior que o trapézio e o ego dele.
- Cara, a gente não come há três dias.
- Agora vou ficar quatro, né? Esqueceram meu suco…
Robson foi o que menos sentiu o impacto no mundo pós-apocalíptico, e não por ter a mentalidade forte, mas por ter o mesmo número de amigos que tinha antes do surto: nenhum.
- Robson, por favor, tenha mais respeito - disse Henrique - Eles arriscaram a vida por isso.
Robson respira fundo e tenta se acalmar.
- Tá, parei… Amanhã eu como meu pão integral no seco mesmo, tá tudo bem.
Bruna e Vitor se olharam, tensos. Robson percebe e saca tudo.
- Vocês não trouxeram meu pão integral?! Vocês me odeiam?!
A pergunta era retórica, mas todos queriam responder.
- Robson, a gente tá no meio de um apocalipse zumbi - disse Vitor, indignado - você acha mesmo que a sua maior preocupação é a sua dieta?!
Robson não acreditou no que ouviu. Para ele nunca existiu outra preocupação além dessa.
- Na próxima, vai você fazer a busca! - disse Henrique, irritado.
- E por que não vai você?! Que tá aí, apontando o dedo para os outros - respondeu Robson.
Todos se olharam confusos, enquanto Robson ainda esperava uma resposta.
- Cara, o Henrique não tem uma perna - disse Bruna, irritada, mas não surpresa, por Robson não ter percebido um detalhe tão importante.
- Eu não vou ficar discutindo com vocês - disse Robson, sem perder a pose - Vou colocar o treino em dia, só me dá o meu Whey e me deixem em paz.
- Que Whey, Robson?! Pelo amor de Deus, cara! - disse Vitor, gritando.
- Vocês estão me sabotando! Como que sobrevive assim?! Eu perdi um centímetro de bíceps! Você sabe o que é isso?
- O combinado foi trazer só o essencial!
- Manter o shape é essencial, Vitor!
Robson não aguentaria passar mais um dia furando a dieta e errando a suplementação, então decidiu ouvir a provocação de Henrique, e saiu em busca de todos os itens para se manter em forma.
Se passaram três dias, e Robson não voltou, não que alguém do grupo tenha dado falta, a paz reinava no bunker sem ninguém gemendo enquanto levantava um peso ou fazia uma flexão.
O grupo decidiu não ir atrás de Robson, apenas continuar sobrevivendo, e ignorar totalmente o zumbi de abdômen trincado e trapézio saltado que rondava a região.